Por Wanglézio Braga
Cobija, Bolívia – Uma nova esperança para a agricultura e tradição indígena do Acre pode estar prestes a se concretizar. Em entrevista exclusiva ao Portal Acre Mais, o chefe dos povos indígenas na Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO-ONU) em Roma, na Itália, Yon Fernández de Larrinoa, revelou que busca parcerias para incluir o estado no programa global de restauração biocêntrica dos povos indígenas, que já ocorre em sete países. O anúncio aconteceu na última segunda-feira (17) durante um evento em Cobija, capital do Departamento de Pando, na Bolívia, e contou com a presença de indígenas do Acre, especialmente do povo Huni Kuin, e o gestor e consultor, Fritz Mendonça.
A FAO E SUA MISSÃO
Com mais de 80 anos de existência, a FAO tem como principal objetivo erradicar a fome e garantir a segurança alimentar dos povos. Yon Fernández explicou que seu trabalho se concentra na proteção dos sistemas alimentares e do conhecimento ancestral dos indígenas.
“A alimentação não é qualquer comida. Ela vem dos processos de autossuficiência, de autorregulamentação dos povos. Quando uma cultura desaparece, sua alimentação também desaparece. Por isso, falamos de sistemas alimentares e de conhecimento”, afirmou Larrinoa.

O ACRE NA ROTA GLOBAL
Atualmente, a FAO trabalha no Brasil, mas sem uma presença efetiva no Acre. No entanto, isso pode mudar em breve. Segundo Larrinoa, há interesse em reunir-se com lideranças locais e explorar oportunidades.
“Queremos criar uma escola de vivência entre a zona de Pando e o Acre para que os povos interajam e seus conhecimentos sigam um rumo comum. O cultivo da castanha, do açaí e do palmito é essencial, mas buscamos algo maior, que envolva todos os ecossistemas da Mãe Terra neste corredor”, explicou o chefe da FAO.
INDÍGENAS RELATAM DIFICULDADES
Durante o evento, representantes dos povos indígenas do Acre relataram as dificuldades enfrentadas na produção agrícola nas cidades isoladas do estado, como Marechal Thaumaturgo, Santa Rosa do Purus, Jordão e Porto Walter. Segundo eles, as secas e as cheias representam grandes desafios para o cultivo e o escoamento da produção. Além disso, narraram episódios de falta de apoio do poder público para incentivar o plantio e criar alternativas para o transporte dos produtos.
Os indígenas enfatizaram que a presença de um escritório da FAO-ONU no Acre, interligando o estado com a Bolívia, seria de grande valia para o desenvolvimento sustentável da agricultura indígena regional. “Precisamos de políticas que nos ajudem a superar os desafios climáticos e logísticos. A instalação de um centro da FAO aqui poderia garantir mais suporte técnico e facilitar nossa conexão com mercados nacionais e internacionais”, ressaltou um dos participantes do evento.

DESAFIOS DA SEGURANÇA ALIMENTAR
A crise global tem afetado a segurança alimentar na Bolívia, no Brasil e em todo o mundo. Para Larrinoa, os conflitos internacionais e as mudanças climáticas são grandes obstáculos na luta contra a fome.
“Temos mais guerras do que nunca, mais de 38 conflitos no mundo. Isso não ajuda nenhum país a garantir sua segurança alimentar. Precisamos acabar com a violência se quisermos assegurar o direito básico da alimentação”, declarou.
AGRONEGÓCIO E A MÃE TERRA
Apesar de ressaltar a importância do agronegócio, Larrinoa fez um alerta sobre os impactos ambientais. “A terra é para todos. Não se pode fazer agronegócio prejudicando a Mãe Terra. Queimar a floresta em nome do progresso não é progresso. Nossos filhos e netos um dia nos considerarão culpados por destruir o planeta. Precisamos de um modelo econômico sustentável, que respeite o meio ambiente”, concluiu.
Assista a entrevista com tradução para o Português, a seguir:
Assista a entrevista concedida na língua espanhola, a seguir: